Alex Berg Jone e a elaboração do mapa temático
Parte I
Em primeiro lugar, quero deixar claro que eu não deveria estar escrevendo nesse momento. Eu deveria estar lendo sobre o efeito dos aminoácidos de cadeia ramificada no anabolismo e sua relação com a ingestão pré e pós-treino.
É claro que eu vou escrever sobre minha aventura na Secretaria Municipal de Saúde (doravante nomeada SMS). Esse é o primeiro episódio da série “Alex Berg Jones – Em busca do mapa temático”.
Explicando: uma das minhas propostas de estágio é a elaboração de um mapa temático da área de abrangência da unidade de saúde na qual estou. Ninguém precisa me lembrar que eu sou estudante de Nutrição, disso eu tenho plena consciência. A idéia é conseguir um mapa oficial da região e colocar ali os becos que ainda não foram documentados pelas autoridades que já deveriam tê-lo feito. Para tanto fui na SMS, pois tenho um contato lá dentro que me disse, “olha Alex, tem um cara lá que tem acesso a todos os mapas da cidade”.
Conheci o cara. Sujeitinho simpático, ameno. Expliquei-lhe o que eu queria, com as palavras mais simples e o discurso mais direto que eu tinha. Nisso ele inicia um diálogo alucinógeno.
- Mas, tu sabe que temos umas fotos de satélite aqui que poderiam ser mais úteis, porque aí, pelo menos, vocês teriam uma visão exata do ambiente que compõe a área de atendimento da unidade na qual você está.
- Sim, mas sairia muito caro, e imagino que não haveria recursos financeiros para tanto.
- Não sai tão caro! Uns R$ 150,00
- Eu acho que está fora do orçamento deles.
- Mas vem aqui ver as fotos.
Acompanhei-o ás fotos, e ele continua falando:
- Olha só essa casinha aqui. Dá pra ver direitinho tudo o que tem em volta. Todos os focos de doenças e contaminações. Olha só os becos! Estão bem mais claros aqui.
- Sim, sim. Mas não é uma proposta factível.
- Factível? Mas tu tem que pensar que não basta saber onde as pessoas estão morando, e sim tudo aquilo que circunda a moradia dessas pessoas, porque o ambiente influencia diretamente na qualidade de vida e no processo saúde-doença da comunidade.
- Compreendo, mas essa não é a proposta que temos. Seria bastante interessante, mas infelizmente não há recursos financeiros.
- Tu sabe qual é a coisa mais barata em um posto de saúde?
Suspiro da minha parte.
- O que?
- O próprio posto! Para o município custa uns R$ 150.000. Tu sabe quanto custa por ano para manter o pessoal?
Mais um suspiro.
- Quanto?
- Muito mais! E um mapa desses, com foto de satélite, custaria apenas R$ 150,00 e preveniria o surgimento de infinitas doenças e interferiria diretamente no processo de gênese patológica.
- Entendo, mas eu não tenho poder de decisão sobre isso.
- Sabe quanto custa uma tomografia computadorizada?
Outro suspiro, dessa vez com sinais de dor.
- Independentemente disso eu não poderia fazer nada a respeito. Minha proposta é inserir os becos como linhas bidimensionais em um mapa oficial, pois é uma alternativa de baixo custo e nos permitiria encontrar as famílias de risco na região geográfica que não é grande. Você já levantou essas propostas alguma vez em reunião?
- Sim, já falei isso com todo mundo, mas aí começa a burocracia, e cada um quer o dinheiro por seu lado, e tem muita briga política e rixa entre pessoas. Mas tive uma idéia. Acho que alguém pode conseguir o mapa que tu quer!
Ele pega o telefone:
- Olha só, fulana! Eu estou aqui com um residente...
- Estagiário...
- ...com um estagiário de uma unidade básica de saúde e ele gostaria de saber se teria a possibilidade de conseguirem para ele um mapa daquela região, pois ele vai se comprometer a fazer um trabalho de mapeamento completo e identificação de microáreas de risco.
Alguns instantes de silêncio... ele se vira para mim e faz uma pergunta que eu preferia não ter ouvido:
- Vocês tem GPS lá?
Minha vontade foi dizer:
- Escuta aqui! As unidades básicas de saúde muitas vezes sequer tem medicamentos para distribuir à população ou sala para atender aos pacientes e tu vem me perguntar se temos um GPS? Se tivéssemos um GPS já teríamos mandado imprimir as fotos de satélite e eu não estaria mais aqui ouvindo divagações sobre sonhos não concretizados e pessoas malvadas que não deixam que isso aconteça!
O que eu realmente disse foi:
- Nossa proposta é bem mais modesta, e posso me comprometer apenas com o início de um trabalho em escalas maiores, pois ficarei lá apenas durante dois meses.
- Mas tu não é residente?
- Não, estou fazendo estágio curricular e esse trabalho faz parte das minhas propostas.
- Bom, vou ver se consigo o mapa para você.
- Ok, tchau.
Não pretendo esperar pelo mapa. Vou usar o que eu montei no Paint Shop Pro mesmo. Por isso que a saúde pública não funciona. Ao invés de fazer, ficam sonhando alto.