Fazia frio. Talvez fosse o dia mais frio do ano mais frio: 2000. O dia amanheceu e o sol me acordou, quando eu me dei conta que não estava em casa. Nunca gostei muito de dormir fora de casa, pois eu só assimilo todos os acontecimentos do dia anterior e, mais importante ainda, o lugar onde estou e como cheguei ali, alguns minutos depois de estar acordado.
Descrevendo o cenário: uma cama de solteiro e um corpo do meu lado, abraçado em mim. Então percebi que eu tinha dormido pouco mais de duas horas e recém tinha saído de uma festa. Estava na casa de um seletado, mais precisamente na sua cama e, como já disse, ele estava do meu lado, abraçado em mim. E agora? Em questão de segundo lembrei de nós dois chegando lá e ele dizendo ‘bah, tu é o primeiro cara que eu trago pra cá, com a minha família toda em casa’. Uma pessoa sensível. Um ser sincero. Um cara disposto a algo mais que uma noite. Como eu faço para sair correndo daqui?
Ainda com o braço dele em volta do meu pescoço, impossibilitando qualquer movimento do meu esternoclideomastoideo, lembrei do sexo. HORRÍVEL! PÉSSIMO! Então pensei ‘com a prática vem a perfeição’ e, logo em seguida, ‘não, talvez até melhore, mas perfeito isso nunca vai ficar!’ Quero sair AGORA daqui. Tento me virar na cama; não consigo. Tento virar o rosto; não consigo. Só me resta uma saída estratégica:
- Bom diaaaaaaaaa! Dormiu bem?
O cara, ainda com um ar de sono, olha para mim e diz, sorrindo:
- Hein? Sim... Sim...
- Olha só... Não avisei ninguém que ia dormir fora de casa. Vou telefonar para casa para avisar, ok? – Essa é a saída estratégica.
Casaco perdido, relógio perdido, celular perdido. Finalmente acho tudo e faço a ligação:
- Oi! Só pra avisar que eu to bem e não dormi em casa hoje. Sim... Sim... Não... Sim... Ok... Não sei... Ta... Um amigo... É... Beijo pra ti também. Tchau.
O cara me abraça com carinho, beija meu pescoço, me vira para ele e diz:
- Vamos voltar para a cama.
- Ok, mas antes abre a porta pra mim? Não consegui dormir direito e to tri cansado. E com esse friozinho ainda, tá tão bom pra ficar na cama dormindo. Já to até com saudades da minha.
- Quê?
- O quê?
- Nada, esquece.
- Tá. Abre a porta?
- Abro.
Fui embora, cheguei em casa, dormi bem contente e tranqüilo. Quê? Não sabiam que eu nem sempre fui o poço de sensibilidade que eu sou hoje? Pois é. As pessoas mudam. Talvez por isso eu seja tão tolerante com aqueles que não me tratam bem como eu gostaria.